quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O que nos havia de acontecer!...

Neste fim de semana estava depositada muita fé.

Ia estar lua nova, o mar acalmava na sexta depois de estar uns dias bruto, não ia estar vento, o meu amigo Pedro já lá estava, pelo que o atraso na ida se deveu a uma consulta no sábado de manhã, à barriga da Catarina!

Em princípio é “um gajo” que lá vem! O que é bom, para ir apanhar minhoca da pedra, pró pai! Ai,ai.

Cada vez que o vejo na ecografia, até cresço!

Deixei mãe e filho aconchegados e fui depois de almoço até ao Pedrogão, ávido de mar e de pesca, em paz com o mundo e respectivas criaturas...

Tinhamos lula, minhoca da pedra, caranguejo e casulo para isco. Tudo bom.

- Epá, dez horas o mais tardar! A maré tá vazia a essa hora...
- Pescamos até à maré cheia, que é lá prás quatro. Se não der nada, “vimos embora”, se der, pescamos até de manhã!
- Tá feito, apita.

Fui empatar uns anzóis, tentar arrumar um saco de pesca sempre muito desarrumado, montar canas e carretos, e até fui pôr no congelador uma daquelas porras que servem para manter fria uma geleira, que pelo sim pelo não, também tinha trazido pra depois levar o peixe!

Após um delicioso jantar com a minha irmã, dona da casa, regado com uma bela garrafa de verde fresquinho, encontrei o Rui, filho de pescador da praia e, como tal, raçudo como poucos prá pesca.

- Já tirei 6 linguados hoje!
- Queres um copo?
- Tá fresco?
- Tá. Vai mas é buscar a cana, que isto hoje à noite vai dar peixe!
- Chiça, passei lá o dia todo!
- Vaaaaá, deixa-te de merdas.
- Dá aí mais um copo.

Fomos ter com o Pedro que mora na marginal, mesmo em frente ao pesqueiro. Ele é que tinha o isco e já tava na hora combinada.

O amigo Pedro estava na maior, acabado de jantar com amigos e ainda a saborear também um verde muita bom. A preparar-se, portanto, prá pesca.

- Querem um copo de vinho?
- Tá fresco?
- Tá.

Conversa puxa conversa, constatações importantes tecidas acerca do estado do mar, do tempo, do peixe, histórias de pesca, enfim, aquele puro contentamento de quem encontra os verdadeiros amigos, ainda por cima pescadores!

- Como é, vamos lá?
- Vamos embora!....
- Trás a garrafa e os copos!
- É isso mesmo, a noite promete!

E de facto prometia, estava uma noite porreira e rapidamente foi montado o respectivo estaminé na praia, ali mesmo em frente. Só que ainda era cedo, o “mar não tinha água” , ou seja, a maré estava muito vazia pois é nas luas que as marés são mais acentuadas, e o pesqueiro tinha pouca água...

É também nestas grandes marés que, naturalmente, a enchente e a vazante avançam mais rapidamente...

- Epá, isto só lá prá meia-noite é que dá pra pescar!
- E se fôssemos ao Sérgio beber uma imperial?

O Sérgio tem um restaurante nas únicas rochas que interrompem o extenso areal, aí a uns 300 metros do pesqueiro, e umas belíssimas imperiais...pelo menos nessa noite estavam...divinais!

Deixámos as canas a pescar e aí vão eles, molhar o bico.

De vez em quando, aquela inquietação de poder já lá estar algum... mas, ainda é cedo!!!....ainda não há água!!...

E de facto não se via muita água ali ao balcão.

Umas imperiais mais à frente, lá fomos ver as canas já com um certo balanço, certos de que o mais certo era já ter caído um robalote ou dois...com certeza!... e muito admirados ficámos com os escassos resultados conseguidos.

Aliás, a pesca começava a ser um bocado complicada, cheia de incidentes difíceis de resolver como substituir as montagens, tudo embrulhado, tudo cheio de nós impossíveis de desfazer... quem já alguma vez pescou um bocado tocado, deve saber exactamente do que estou a falar.

O próprio acto de estar atento á ponteira da cana torna-se pouco preciso, com pouca concentração, cheio de pretextos para fumar uns cigarros e também com muitas gargalhadas à mistura, claro!

- Tou cheio de sede!
- Pá, tenho ali água!
- Água? Porra!!!!

O Rui entretanto foi-se embora, descansar de “tanta” pesca, e eu e o Pedro olhámos um para o outro....

- Só se puxarmos as canas para trás,... que a maré está a encher!
- É só mais uma.... depois começamos a pescar a sério.

E claro, era mesmo isso que estávamos a precisar. “Desidratados”, lá fomos sensatamente ao Sérgio, cada vez mais contentes com a excelente noite de pesca que tardava em começar! Desta vez as imperiais estavam ainda muito melhores, muito frescas, muito hidratantes...com uma saída excepcional!...

A varanda do restaurante dá para a praia, e de vez em quando lá iamos tentar ver as canas cá de cima, sem grandes conclusões acerca do sítio onde elas poderiam estar.

- Vamos embora, temos lá as canas...
- Então esta é a ultima, depois vamos pescar o resto da noite! Tou cheio de fé.

Claro que esta e outras barbaridades foram sendo ditas com a maior das convicções, de quem se sente perfeitamente bem, sem qualquer tipo de limitações para o melhor dos desempenhos nesta coisa da pesca que, embora muita gente não saiba, requer alguma atenção no que se está a fazer para daí tirar algum resultado.

E o resultado estava à vista.

Já com uma ventania considerável nas cabeças, lá fomos para a praia “pescar”. Não sabemos bem quanto tempo estivemos ausentes, mas foi o suficiente para que a maré subisse desalmadamente e a água chegasse ás canas, passasse as canas, chegasse aos sacos e iscos e deixasse tudo em pantanas.

Uma cana do Pedro ainda estava caída na rebentação, já com o carreto sem “manivelar” coisa nenhuma dada a quantidade de areia que já tinha dentro. A outra cana dele, pura e simplesmente tinha desaparecido. As minhas ainda se aguentaram, mas havia lulas espalhadas pela praia, ficámos sem casulo e até o raio dos caranguejos andavam cá fora a passear, tal foi a enchente no balde onde estavam...

- Roubaram a cana! ...dizia um amigo que tinha descido connosco do Sérgio para apreciar a arte destes dois “artistas”...

- Não roubaram nada, pá, não vês que foi o mar que a levou?!
- Epá, que granda merda, a minha cana!....

A coisa ficou estragada. Nós, pescadores da praia, que conhecemos o mar, as marés, o peixe (?).... deixarmos isto acontecer! Até parece que é a primeira vez que pescamos ali, naquele sítio!

Bom, estávamos nós a soltar uma enxurrada de asneiras seguidas, quando nos aparecem dois tipos, um deles com uma cana na mão...

- Não perderam nada?
- A minha cana!

Os gajos estavam a pescar ao pé da pedra e viram o filme todo, ainda por cima a cana foi lá ter com eles com a corrente. Ainda vai havendo gente porreira neste mundo... podiam ter encostado a cana e pronto, lá se ia cana do Pedro (aliás, ele tinha duas canas e pensava que tinha perdido uma, mas afinal esta que foi recuperada era a outra!... baralhou-se entre as duas canas que tinha trazido!!! Lindo !...).

Depois dos devidos agradecimentos, o Pedro foi-se embora com as suas canas e com os carretos encravados, cheios de areia, a maldizer aquela “soberba” noite, e eu, teimoso, ainda fiquei, convencido que ainda ia pescar alguma coisa!

Tanto investimento na pesca e agora isto acabar assim?! Ná!

Deitei-me na areia, a olhar para as canas, e adormeci...

Acordei cheio de areia e de frio, agoniado e ainda um bocado grosso, e a imagem do sofá-cama que me esperava foi, por fim, irresistivel.

Retirei as chumbadas da água e já estava a desmontar uma cana quando dei com uma sargueta de palmo presa num dos anzóis!

Isto era mais que suficiente para dar mais umas horas de pesca, caso estivesse com os 5 sentidos apurados... mas não estava.

Atirei-a ao mar e fui-me embora.

Ainda encontrei o Pedro cá em cima, que tinha ido às bifanas, e o estado de espírito era o mesmo...

O que nos havia de acontecer! ... nós que desconfiamos sempre dos pescadores que usam a pesca como pretexto para beber mais umas “mines”, nós que somos sérios, sóbrios e honrados, logo haviamos de deixar que naquela noite se misturasse a vontade de pescar com a vontade de curtir à grande com os amigos da pesca!

O peixe que nos perdoe (!! ou não...), mas foi por uma nobre causa. Não se voltará a repetir!!!

No entanto vou esperar pelos dias de mar mau, péssimos para a pesca, chuva, trovoada e granizo, que não se veja ninguém com uma cana na mão nem tão pouco cheiro a peixe... e aí sim, a gente bebe uns copos e desforra-se! Ai desforra!...