sábado, 23 de maio de 2009

Berlengas


Passo parte do ano a pensar nas Berlengas.

Foi o João que me levou lá, faz p´aí 15 anos (!), e até hoje acho que só faltei uma vez já não sei muito bem porquê...algum assunto de responsabilidade na altura...algum exame da “Universidês”, com certeza...

Vamos desde sempre em Agosto, e por isso imagino o que serão aquelas ilhas em Junho ou em fins de Setembro, sem aquele ritmo mantido pelas constantes chegadas e partidas do Cabo Avelar e respectivas enchentes e vazantes de pessoas que vão lá passar o dia...apenas.

Estar nas Berlengas é acampar, de preferência em tenda sólida e bem montada, o maior número de dias possível. Normalmente vamos uma semana inteira, mas acabamos sempre com a esperança de que possa haver uma maré-viva que nos atrase a volta ao “continente”, só mais um bocadinho. Melhor ainda seria ficarmos isolados, sem comunicações nem víveres, até nos apetecer vir embora. Como isto em Agosto não costuma acontecer, até hoje nunca me apeteceu realmente deixar a ilha.

Nas Berlengas, a pesca adquire uma dimensão especial. Se não apanharmos nada, desenrasca-se umas latas de polvo, muito atum e umas chamuças da Dona Alice que são belíssimas. Mas se apanharmos um sargo ou dois, significa ficar a saborear o peixe fresco, grelhado à nossa maneira, com umas batatinhas enroladas em prata com um fio de azeite e sal e que se cobrem com brasas na grelha.

Lembro-me até de um peixe-porco de quilo, tirado pelo Vitor, que chegou para fazer uma sopa, a que pretenciosamente se chamou sopa de peixe, aí para umas 12 pessoas. Ora sabendo que este peixe é quase só cabeça, imagine-se a quantidade de batatas que aquilo levou e o tempo que demorou a fazer um panelão enorme num fogão “campingás” pequeno, numa noite de relento... Foi alguma a quantidade de vinho bebido como aperitivo...

Mas isto significa também que um toque falhado à boia ou um peixe perdido na rocha assume uma gravidade enorme, uma tensão saborosa para o pescador. Só não se aproveitam as bogas e é por uma questão de honra, pois “diz-que” que acabadas de pescar até nem são más!

No entanto, a pesca à boia é quase sempre recorrente. Mesmo arriscando a “grade”, é um peixe grande, um sargalhão de dentes pretos ou um pargo, que nos fazem passar horas a fio a pescar ao fundo, com o canto do olho na ponteira da cana, enquanto a tarde vai ensombrando o pesqueiro.

No ultimo Verão, o amigo Vitor chegou já estavamos lá há 2 dias. Chegou no barco da manhã, desertinho para ir estrear alguma novidade em gama de acessórios inovadores e eficazes, e logo quis saber dos nossos feitos piscatórios, que por caso não tinham sido famosos. O mar tinha mexido, havia muito lixo e não tinha dado para pescar ao fundo no tal pesqueiro... aquele, sabes?

Como, segundo ele, os pargos grandes picam mais ao meio-dia, seguimos para o pesqueiro com isco fresco e um pacote de lulinhas pequenas que eu já tinha trazido do Pedrogão e que tinham estado no congelador do Castelinho. Isto quer dizer que as lulas descongelaram durante pelo menos duas noites, depois de desligado o gerador.

Assentámos arreiais na pedra do costume, eu , o Vitor e o Sérgio, e logo me pus à boia de correr convencido que o lixo se mantia. Claro que o Vitor atacou logo à ganância com uma chumbada lá pra dentro...

Já danado por causa de umas pouco apreciadas salemas que teimavam em cortar o fio como elas tão bem sabem, dei-me conta que o lixo tinha desaparecido e que o Vitor, embora com a linha sempre embrulhada e constantes alterações de montagem para um melhor desempenho, lá ia conseguindo ter condições para poder levar um esticão daqueles.

O enérgico Sérgio continuava a explorar as várias profundidades e distâncias com a boia, e ás tantas apeteceu-me descansar um bocado e apreciar o momento de amizade pura e profunda que por ali se passava e que parece cada vez mais difícil, ainda por cima nas Berlengas, à pesca!

Fumados os devidos cigarros, decidi montar uma linha de fundo com um estralho e um anzol que o Vitor, após constatações acertivas acerca dos materiais de pesca em geral, me garantiu ser do melhor que tinha trazido, e isquei com uma das poucas lulinhas, já quentes, que restavam do vivido pacote.
Chumbada lá pra dentro, encaixada a cana nas pedras, preparei-me para uma bela e longa tarde de pesca, que se adivinhava sem peixe com os nulos resultados obtidos após tanta técnica!

De repente senti um pequeno toque na cana...outro mais forte... ferrei e por um instante pensei que estava preso no fundo. No instante seguinte senti que estava lá um.

-Eh lá!

Grito de alerta, afinação atrapalhada do carreto e lá estava ele a levar fio e a dizer que não era um qualquer! Desço para mais perto da água e vou trazendo o bicho, devagar, a evitar as rochas e a manter uma tensão constante na linha e no peixe. Adivinhava-se um pargozito bom, mas depois de luta empolgante e nervosa viu-se um reflexo prateado a dizer que não era pargo...

-Epá, é uma dourada!

Nunca ali tinha visto sair uma dourada, embora soubesse que elas são pescadas de barco por ali perto, e estava longe de imaginar ver um bicho daqueles preso no isco de lula requentada.

Ponteira para baixo, levantei-a depois de uma ultima cabeçada, cá pra fora.

Tinha quilo e pouco e era um peixe bonito, vigoroso, um aspecto delicioso...

-Não é má!... disse o Vitor, recolhendo rapidamente o seu arsenal para iscar com uma das ultimas lulas.

-Lança prá´li, pá!

Com um peixe bom, as coisas mudam, a fé cresce algo desmesuradamente, acredita-se que possa vir um ainda maior, etc... mas também a vontade que um dos nossos companheiros de faina apanhem alguma coisa.

Fumei um cigarro nas calmas, já com a grade safa, apreciando o engenho e sabedoria piscatória do Vitor, enquanto que o amigo Sérgio insistia avidamente com a bóia.

Isco uma ultima lula, lanço pró mesmo sítio, encaixo a cana na mesma pedra e sento-me convencido de que tinha valido a pena o ano de espera daquele momento.

Inacreditavelmente, sinto pelo canto do olho (!) um pequeno toque na cana pousada...instala-se aquela tensão depositada no segundo seguinte, em que ele vai lá outra vez...ou não...

Mais um esticão e novamente o grito de alerta.

-Epá, tá lá outra!

Estes momentos são de um dramatismo pesadíssimo, até porque dois peixes no mesmo sítio, um a seguir ao outro, podem querer dizer que foi encontrado o “filão” de uma pescaria memorável!

Rapidamente desço algumas rochas, só que fiquei sem uma sapatilha pelo caminho, presa numa pedra.

-Vitor, traz-me aí a sapatilha, pá!... disse eu, enquanto trazia o peixe que entretanto já tinha deixado perceber que era mais pequeno.

-És mesmo vacão!... dizia ele, enquanto tentava enfiar-me o raio do calcante no pé.

Mais umas maniveladas e...aí está, um parguete aí com umas setecentas gramas.

Com a adrenalina em nível elevado e já sem as tais lulinhas, afinal até estavam boas, lá passámos os três o resto da tarde à espera de mais um, em vão!

Ficam estas sensações, ficam os amigos, e fica o inesquecível sabor daquela dourada, escalada de maneira impressionante pelas mãos da D. Mariete, grelhada na brasa só com sal e com um fiozinho de azeite depois de virada, para lacar.

Fica sempre, também, a vontade de lá voltar!






2 comentários:

  1. É pá!até eu fiquei com vontade de ir lá comer um peixinho.....ou uma latita de atum, vá!

    um abraço guilhermaço, está a escrever cada vez melhor!
    Vacã

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  2. tambem fiquei entusiasmada com a descrição da ilha e da pesca, do convivio.Já fui ás Berlengas um dia, enjoei só um pouco no barco...passiei de barco para v~er as grutas.Foi bonito e já lá ao muitos anos ...mas ainda me lembro.beijo

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